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Sem defesa
O dia em que a derrota passou pelas mãos de quem cuida para tudo dar certo
Roupa suja se lava em casa. Sozinho. A primeira máquina acaba de bater com os shorts azuis. Também estão o meião da mesma cor e a camisa 12 improvisada de esparadrapo, mas, antes de estender as peças e jogar as vermelhas na lavadora, Rafael volta solitário ao campo de duas horas atrás. Segura, a zaga de Caio e Mário repete a excelência das últimas atuações. Marcos faz o que provavelmente pode ser considerada sua melhor partida com a camisa do SporTV. O habitual leão na marcação tem fôlego e inteligência para atacar na hora certa, ser o maior chutador do time e acabar premiado com um gol de oportunismo e justiça. Com a 9, Conrado finalmente encontra o futebol digno de um camisa 10: ocupa todos os espaços na esquerda, cria, chuta, leva perigo em cada ação, como na primeira finalização para André empatar. O camisa 7, aliás, encarna a presença letal de hábito, a procurar as redes como um predador em busca da caça. Frias finalmente desfila o futebol que dele se espera. Dita o ritmo do Canal Campeão e exibe o toque de classe que o elegeu melhor jogador da Copa Imprensa 2015. Coutinho, como sempre, é implacável na marcação e ocupação dos espaços. Pitanga, perigoso mesmo sem tocar na bola: inteligência na criação de oportunidades e abertura de caminhos, como no gol de Marcos, o segundo. Pedro, incansável na esquerda, se doa no sacrifício de outros jogos em nome do time e abdica do ataque para sustentar um pilar da zaga. Lucas, se não repete as melhores atuações, dedica cada passo a encontrar o futebol que o fez o melhor jogador do SporTV no Inteligas 2015. Felipe é o técnico atento, com a leitura correta de jogo, que percebe as mexidas necessárias para o time pular o primeiro tempo à frente do placar. Uma orquestra que beira a perfeição, exceto pela tarde ruim de quem tem dedicado dias e noites ao sucesso do time que hoje, infelizmente, deixou na mão. São 10 minutos do primeiro tempo quando um jogo parelho tem seu equilíbrio desafiado por um chute de longe. Perspicaz, o meia do Grajatasaray percebe nosso goleiro adiantado. Do não muito alto de seus 1,75 metros, Rafael pouco pode fazer, a não ser lamentar a desatenção de jogar tão longe da meta. O início da segunda etapa não é um primor de atuação coletiva do Canal Campeão, e o empate em 2 a 2 não demora, mas o terceiro gol sofrido é outro movimento equivocado do goleiro longe de sua meta. Uma falha de comunicação com Mário decreta o rebote e a virada adversária. Ainda assim, há luta e inspiração. A de Conrado, é girar e deixar o corpo cair ao contato faltoso. A de Frias, cobrar com perfeição no ângulo esquerdo do goleiro. Tudo igual até não mais de 20 segundos para a decisão por pênaltis. O desencontro entre Caio e Conrado é a senha para o lance capital. Na verdade, uma injustiça com dois dos melhores jogadores no campo 2 do domingo no Alto da Boa Vista. O fim da história faz o olhar de Rafael voltar perdido à máquina que agora bate as peças vermelhas. Que ironia é essa a escolher justo o dia da partida decisiva, a tarde em que cada camisa branca vestiu um time com alma, talento e dedicação? Por que logo esse domingo em que tudo parecia dar certo? Tinha de passar por seus desatentos dedos a sentença final da equipe que forjou com tanto zelo? Hora de bater as peças brancas. Esquecer as falhas, fechar os olhos, respirar profundamente e encontrar forças para mais uma caminhada. Não foi o dia. Num esporte coletivo, poucas posições expõem de forma tão escancarada as falhas como a de goleiro. Ele que tentou ser o melhor gestor, roupeiro, técnico, motivador, motorista, hoje não conseguiu com perfeição executar o último ato que consagraria com justiça uma vaga nas oitavas-de-final. E vai dormir com a cabeça naquela bola sem rumo que ora vagou para as redes, ora para as luvas incertas que agora secam no varal escorrendo as lágrimas que seus olhos não souberam chorar.
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